No inicio do século XX, a Itália era um dos maiores exportadores cinematográficos do mundo, graças à fácil aceitação dos filmes mudos nos diversos mercados e à aposta em grandes produções históricas que retratavam o glorioso passado de Roma. Esta apetência do cinema italiano pelos filmes históricos começou logo no início da produção cinematográfica, com La Presa di Roma (1905), Gli Ultimi Gioni di Pompeii (1908) e Caduta di Troia (1910) a abrirem caminho para os grandes épicos que o pais produziu na década de 1910. Se Quo Vadis?, em 1913, foi a primeira longa-metragem histórica de proporções épicas, Cabiria, no ano seguinte, foi o exemplo máximo das extravagancias cinematográficas italianas.
Produzido durante mais de 2 anos em diversos locais de Itália, Espanha, Suíça e Egipto e com a participação de mais de 6 mil figurantes, Cabiria custou uns astronómicos 250 mil dólares, resultando num grandioso espectáculo nunca visto até então. Resultado do engenho de Giovanni Pastrone, que escreveu, produziu e realizou Cabiria, o filme foi, na época, publicitado como obra de Gabriele d’Annunzio, um conhecido e presado poeta italiano, que foi contratado para escrever os intertitulos. A “confusão” foi provocada pelo próprio realizador, que assim pretendia legitimar o filme, equiparando-o às melhores produções teatrais e, por consequência, elevar o cinema italiano à forma de arte. Independentemente das pretensões de Pastrone, o golpe publicitário resultou e o filme revelou-se um estrondoso sucesso.
Cabiria estreou a 18 de Abril de 1914 em Turim num evento tão grandioso como o próprio filme, onde a música especialmente composta por Ildebrando Pizzetti foi interpretada por uma orquestra de 80 elementos, acompanhada por um coro de 70 vozes. À semelhança de Turim, a estreia do filme nos Estados Unidos, em Nova Iorque, foi também um evento especial, com a música do filme a ser interpretada por uma orquestra sinfónica e coro e com a presença de individualidades conhecidas. O filme estreou numa das mais conceituadas salas de cinema da cidade onde foi exibido 200 vezes, tendo posteriormente passado a ser exibido noutras salas, também conceituadas. Em cerca de 4 meses de exibição, Cabiria foi visto por mais de 500 mil pessoas: um verdadeiro fenómeno de popularidade.
O sucesso de Cabiria aumentou o prestigio do cinema italiano e este tinha tudo para dominar a produção cinematográfica mundial. No entanto, o advento da I Grande Guerra impediu esse domínio, anulando a exportação de filmes para os mercados mais lucrativos e provocando uma redução drástica do número de produções cinematográficas. Após o conflito bélico a recuperação da industria cinematográfica italiana enfrentou um novo e poderoso adversário: os Estados Unidos, que inundava o mercado mundial com as suas produções e controlava o mercado de película.
Cabiria fica na história como o ponto alto de uma época de ouro do cinema italiano e não apenas pelo opulento espectáculo que é, mas também pelas suas inovações técnicas. Se novas técnicas de luz permitiram dar ao filme mais profundidade e ambiente, são os movimentos de câmara que fazem do filme um marco histórico. Embora a técnica já tivesse sido testada anteriormente, Pastrone não limita a câmara a seguir a acção, faz com que ela crie a acção e nos “convide” a entrar no filme. Estes movimentos, que na época ficaram conhecidos como os movimentos Cabiria, permitiram que o cinema se destacasse ainda mais da fotografia e do teatro e ganhasse um rumo próprio, tornado-se numa arte de pleno direito.
Outra área em que Cabiria viria a influenciar a história é a montagem, já que Pastrone filmou mais de 66 mil pés de película, tendo utilizado “apenas” 14.800 (o que viria a constituir norma na época) numa demonstração clara de que a montagem foi um elemento importante do processo cinematográfico.
A espectacularidade e as inovações técnicas de Cabiria alteraram a produção cinematográfica e o filme influenciou um vasto conjunto de realizadores, entre eles D. W. Griffith, que nele se terá inspirado para produzir Intolerância e o ultrapassar em grandeza e espectacularidade, levando ainda mais longe as inovações técnicas.
Embora largamente esquecido nos nossos dias, Cabiria é uma referência cinematográfica, não só para os historiadores de cinema, mas para todos os amantes da sétima arte. A espectacularidade do filme é ainda mais visível na cópia restaurada em 2006, feita a partir de películas encontradas em diversas cidades e nos bens do realizador.
Cabiria
Itala Film, Itália, 1914, 181 min., drama. Realizador: Giovanni Pastrone. Argumento: Gabriele D’Annunzio e Giovanni Pastrone, baseado nos livros de Titus Livus e Emilio Salgari. Actores: Carolina Catena, Lidia Quaranta, Gina Marangoni, Dante Testa, Umberto Mozzato, Bartolomeo Pagano, Raffaele di Napoli
Durante a guerra entre Roma e Cartago, Cabiria, uma jovem virgem, é raptada por piratas.
The End