As histórias da história do Cinema

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E Tudo o Vento Levou (1939)

E Tudo o Vento Levou é o filme de maior sucesso da história do cinema (deixando para trás blockbusters modernos como Titanic, Guerra das Estrelas ou a trilogia do Senhor dos Anéis) e um dos mais amados e populares junto do público e críticos. As suas imagens fortes e coloridas fazem parte da história da própria sétima arte e “confunde-se” muitas vezes com esta, tornando o filme num fenómeno já muito dissecado.

Para a popularidade do filme muito contribuiu a figura de David Selznick, um dos mais lendários produtores de Hollywood, e que desde cedo soube potenciar o material que tinha nas mãos e que tornou a produção de E Tudo o Vento Levou tão lendária como o próprio filme. Selznick tomou conhecimento da história pelo seu editor de argumentos, Kay Brown, que lera uma versão do romance de Margaret Mitchell antes da sua publicação e instigou o produtor a adquirir os seus direitos cinematográficos. O valor pago (50 mil dólares) constituiu um recorde à época, já que ninguém tinha pago tanto dinheiro por uma primeira obra (E Tudo o Vento Levou constitui o único livro publicado por Margaret Mitchell, tendo vendido mais de 1,5 milhões de cópias aquando da estreia do filme e quebrando recordes de vendas quando em 1976 o filme foi exibido na televisão e quando foi restaurado e exibido em 1998).

A produção de E Tudo o Vento Levou durou três anos, em que Selznick aproveitou todas as oportunidades para aumentar a notoriedade do filme junto do público. O melhor exemplo disso foi o casting da personagem feminina principal, que o produtor transformou num acontecimento internacional e que se arrastou durante dois anos. Mais de 30 actrizes foram consideradas para o papel de Scarlett e muitas chegaram a fazer audições, mas apenas duas (Paulette Goddard e Vivien Leigh) filmaram testes em Technicolor. Selznick optou pela britânica Vivien Leigh e entrou em negociações para a sua contratação com o produtor britânico Alexander Korda, com quem a actriz tinha contracto. Como golpe publicitário, Selznick fez com que o seu primeiro encontro com Leigh coincidice com as filmagens do grande incêndio de Atlanta (uma das maiores cenas de E Tudo o Vento Levou) e anunciou a contratação da actriz em janeiro de 1939.

A escolha de Clark Gable para o papel masculino principal foi quase uma certeza desde o princípio, embora outros actores também tenham sido considerados, nomeadamente Errol Flynn, Gary Cooper e Ronald Colman. Gable estava sob contrato da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) e Selznick teve de negociar o empréstimo do actor com o seu sogro e responsavel pela MGM, Louis B. Mayer. Como contra partida pelo empréstimo, Mayer exigiu 50% dos lucros do filme, que a sua distribuição fosse feita pela Loew’s (empresa-mãe da MGM e detentora de salas de cinema) e que esta recebe-se 15% das receitas.

Embora o motor da história seja o casal principal, os actores secundários ajudam, e muito, a colorir o retracto social que é E Tudo o Vento Levou: Leslie Howard e Olivia de Havilland têm excelentes interpretações e as suas personagens facilmente ganham a simpatia do espectador. No entanto, é Hattie McDaniel que, com uma magnífica interpretação, cria uma personagem real e memorável. A sua Nanny é a prova da multiplicidade social de E Tudo o Vento Levou e tornou-se num marco para a comunidade negra, já que Hattie McDaniel foi a primeira pessoa negra a ganhar um Óscar.

As filmagens principais começaram a 26 de Janeiro de 1939 e terminaram 5 meses depois. Embora E Tudo o Vento Levou seja muitas vezes referido como uma produção Selznick, o filme é, talvez, o melhor exemplo de como o cinema é um processo colectivo, inclusive porque teve vários realizadores. George Cukor foi o primeiro a trabalhar no filme, mas foi substituído após três semanas de filmagens porque Clark Gable não estava satisfeito com o seu trabalho. Cukor foi substituido por Victor Fleming, que realizou 45% do filme e é creditado como realizador na ficha técnica (Cukor continuou a trabalhar no filme como “tutor” de Leigh e de Havilland). A meio das filmagens Fleming teve um esgotamento e foi substituido, durante duas semanas, por Sam Wood. Outros realizadores foram chamados a trabalhar no filme, incluindo diversos realizadores de 2ª unidade, que, entre outras, filmaram a grande cena do incendio de Atlanta.

Magnificamente filmado em Technicolor, E Tudo o Vento Levou custou cerca de $4 milhões de dólares, à época o 3º filme mais caro de sempre a trás de Ben-Hur (1925) e Hell’s Angels (1930), e implicou mais de 50 personagens com diálogo e 2.400 extras. A rodagem do filme decorreu maioritariamente nos estúdios da Selznick International (ex-RKO Pictures) e as restantes em locais dos condados de Los Angeles e Ventura. A pós-produção, que incluiu a filmagem de uma 5ª versão da cena inicial, decorreu entre Junho e Novembro 1939, tendo a primeira versão do filme uma duração de 4h30, mais 48 minutos que a versão final.

E Tudo o Vento Levou estreou a 15 de Dezembro de 1939, em Atlanta, numa cerimónia que durou três dias e teve o mayor da cidade como anfitrião. As cerimónias contaram com a presença das principais estrelas do filme e incluíram diversas paradas históricas. O acontecimento culminou com a exibição do filme, tendo sido recebido entusiasticamente, inclusive pela imprensa. O sucesso foi tal que E Tudo o Vento Levou bateu todos os recordes de bilheteira da altura e tornou-se no filme de maior sucesso da história do cinema. Este sucesso reflectiu-se também a nível de crítica, já que o filme recebeu inúmeros prémios, incluindo 8 Óscares, entre eles os de melhor filme, melhor realizador, melhor actriz e melhor actriz secundária, num total de 13 nomeações. Para além destes, o filme arrecadou ainda duas menções honorárias, uma pelo uso da cor e outra a nível técnico.

A notoriedade de E Tudo o Vento Levou mantém-se quase inalterável ao longo dos anos e são muitas as distinções que tem recebido, entre elas as atribuídas pelo American Film Institute: 4º lugar na lista dos 100 melhores filmes; a sua famosa frase “Frankly, My Dear, I Don’t Give a Damn” foi considerada como a mais memorável da história do cinema, e; a música de Max Steiner foi considerada a 2ª melhor de todos os tempos. Em 1989, o filme foi seleccionado pela Biblioteca do Congresso Norte-Americano como património nacional a preservar e, em 2004, foi completamente restaurado a partir dos três negativos em Technicolor existentes. Utilizando tecnologia digital, a nova cópia é de uma qualidade única, em particular quando projectada em sistema digital.

Após muitos anos de rumores, em 1994 E Tudo o Vento Levou teve direito a uma sequela, baseada no livro “Scarlett”, de Alexandra Ridley, e também ele uma sequela do original de Margaret Mitchell. Passado parcialmente na Irlanda, Scarlett foi produzido para televisão (mini-série de 6 horas) e tem como protagonistas Timothy Dalton (ex-James Bond) e Joanne Whalley-Kilmer. Embora rodeado de alguma publicidade na altura, a sequela está muito longe do original e nada acrescenta a este, sendo hoje um produto praticamente ignorado.


Gone With the Wind
Selznick International Pictures, Metro-Goldwyn-Mayer, Estados Unidos, 1939, 222 min., drama. Realizador: Victor Fleming. Argumento: Sidney Howard, baseado no romance de Margaret Mitchell. Actores: Clark Gable, Vivien Leigh, Leslie Howard, Olivia de Havilland, Thomas Mitchell, Hattie McDaniel, Barbara O’Neil, Evelyn Keyes, Ann Rutherford, George Reeves

Scarlett O’Hara, uma rica e mimada rapariga do sul dos Estados Unidos, vê a sua vida transformar-se radicalmente com o início da Guerra Civil. Ao mesmo tempo que luta contra a destruição dos seus bens, Scarlett tenta conquistar o único homem que amou na vida.

The End