Após uma década de 1940 vigorosa e criativa, a indústria cinematográfica inglesa viveu tempos mais difíceis na década seguinte. Muito embora filmes como O Mar Cruel (1953), Vontade Indomável (1956) e A Ponte do Rio Kwai (1957), a qualidade média das produções decresceu, com as salas de cinema dominadas pelas comédias da Ealing Studios ou os filmes de terror da Hammer. Esta diminuição de qualidade teve como consequência, o declínio do número de espectadores e o encerramento de salas de cinema. As empresas cinematográficas viram-se, assim, obrigadas a ajustar-se e uma delas foi a Rank Organization que, para além do encerramento de salas, alterou a sua estratégia de produção, apostando num menor número de filmes, mas com maior orçamento e que atraíssem o público internacional. Um desses filmes é Passagem para Hong-Kong.
Realizado por Lewis Gilbert, cujos filmes anteriores tinham sido um sucesso, incluindo o anteriormente referido Vontade Indomável e que mais tarde viria a realizar três filmes da série 007, Passagem para Hong-Kong foi uma dos filmes mais caros da Rank, filmado no formato de grande ecrã CinemaScope e pensado para o mercado internacional. No entanto, os planos da Rank não correram de feição já que a produção teve problemas do início ao fim.
Os problemas começaram logo com o casting, um vez que um dos protagonistas escolhidos originalmente, o actor Peter Finch, desentendeu-se com o patrão da Rank, John Davis, e foi substituído por Orson Welles. O actor de O Mundo a Seus Pés foi uma escolha pessoal de Davis, que tinha adorado ver o actor em Paixões Que Escaldam (1958). Por sua vez, a opção pelo actor germânico Curt Jurgens foi mais pacífica e deveu-se ao facto de a Rank considerar o mercado alemão muito importante. Curiosamente, os “portugueses” do filme são ambos interpretados por actores ingleses.
Os problemas de Passagem para Hong-Kong continuaram durante a rodagem, a ponto de Lewis Gilbert a considerar um pesadelo e este teve um nome: Orson Welles. O actor nunca levou a sério a sua personagem, a ponto de a interpretar em tom de comédia, em contraponto com a abordagem do realizador e, principalmente, de Curt Jurgens, que viam a história como um drama. Esta contradição acentuou a animosidade entre os dois protagonistas e Gilbert teve bastante dificuldade em filmar os dois actores na mesma cena. Para além disso, a rodagem do filme foi dificultada pela personalidade de Welles e a sua atitude de estrela, evidenciada por um episódio que levou à suspensão da rodagem do filme durante alguns dias. Motivo: encontrar o nariz falso que insistiu utilizar para interpretar a sua personagem.
Passagem para Hong-Kong, como parte da referida estratégia da Rank, foi inteiramente filmado no exterior, mais concretamente em Hong-Kong. Para o efeito, a produção adquiriu um barco que transformou no Fa Tsan (o ferry do titulo, e construiu um estúdio de grandes dimensões, assim como uma estrutura para a enorme câmara CinemaScope.
O (grande) investimento da Rank não resultou e Passagem para Hong-Kong foi um fracasso de bilheteira e junto dos críticos. Aos dias de hoje, o filme é ainda mais difícil de aceitar, já que, para além da estranha interpretação de Orson Welles (embora, a de Curt Jurgens também não seja isenta de reparo), a versão mais exibida do filme rouba-o dos seus melhores atributos, que são o formato CinemaScope e as cores.
Ferry to Hong Kong
Rank Organization. Reino Unido. 1958. 113 min. Drama. Realizador: Lewis Gilbert. Argumento: Lewis Gilbert e Vernon Harris, baseado no romance homónimo de Simon Kent (Max Catto). Actores: Curt Jürgens, Orson Welles, Sylvia Syms, Noel Purcell, Jeremy Spenser.
Após uma luta num bar, um vagabundo é apanhado pela polícia de Hong-Kong e enviado para Macau abordo de um barco capitaneado por um arrogante inglês. Impedido de desembarcar pelas autoridades macaenses, o vagabundo passa a viver no barco, em conflito com o capitão
The End