No final da década de 1940, Hollywood viveu um dos seus mais tristes momentos com a “caça às bruxas” realizada pelo Comité de Investigação de Actividades Antiamericanas, que investigou um conjunto de criativos de Hollywood por suspeitas de actividades comunistas e levou à criação da “lista negra de Hollywood”. Passada uma década, as repercussões da lista ainda se faziam sentir, com os nomes naquela lista a não conseguiram arranjar trabalho. Spartacus viria a ter um importante papel para o fim da lista e desse período negro.
Spartacus nasceu da teimosia do actor e produtor Kirk Douglas que, ao não conseguir o papel principal em Ben-Hur (1959), resolveu produzir o seu próprio épico romano. A escolha recaiu no controverso romance homónimo, popular entre os comunistas norte-americanos, escrito por Howard Fast.
Fast quis escrever, ele próprio, o argumento do filme e Kirk Douglas, embora com dúvidas, contratou-o. Quando Fast entregou as primeiras 60 páginas do argumento, Douglas apercebeu-se do erro que tinha cometido e decidiu contratar Dalton Trumbo. Como um dos “Dez de Hollywood“, Trumbo estava na lista negra de Hollywood e apenas conseguia trabalhar sob pseudónimos. Esta situação levou Douglas a esconder a sua contratação de todos, inclusive, da própria Universal Pictures, que financiava o filme. Quando a poderosa colunista Hedda Hopper descobriu e denunciou o facto, Douglas decidiu colocar o nome de Trumbo na ficha técnica de Spartacus e contratou-o para escrever o argumento de mais dois filmes da sua produtora Bryna Productions. Com esta atitude, Kirk Douglas ajudou a acabar com a lista negra de Hollywood.
Com um custo total de 12 milhões de dólares, uma das mais caras à época, a produção de Spartacus foi digna de um verdadeiro épico, já que teve inúmeros problemas. Um deles foi a escolha do realizador: contra a vontade de Douglas, a Universal insistiu em Anthony Mann, uma vez que os filmes anteriores do realizador tinham sido um sucesso para o estúdio. No inicio, as filmagens correram bem, mas Douglas não gostou como Mann dirigiu Peter Ustinov e era da opinião que o realizador não tinha, nem a visão, nem a mão para uma produção de tão grande dimensão. Após apenas três semanas de filmagens, Douglas despediu Mann e contratou, contra a vontade da Universal, o jovem realizador com quem tinha trabalhado em Horizontes de Glória (1957): Stanley Kubrick. Os problemas da produção continuaram com Kubrick, uma vez que a relação com Douglas foi tensa ao longo das filmagens, ao ponto do realizador ter afirmado que Spartacus foi o único filme da sua carreira sobre o qual não teve controlo e denegriu-o ao longo de anos. No entanto, Spartacus é visualmente impressionante e a marca de Kubrick é bem perceptível.
Outra área que levantou inúmeros problemas foi a da escolha e contratação de atores. A começar por Laurence Olivier e Charles Laughton, cujos egos Douglas teve de controlar e gerir, inclusive durante as filmagens. Também problemático foi o casting da personagem Varinia: após uma longa procura, Douglas contratou a alemã Sabina Bettmann, mas cedo se apercebeu que a actriz não estava à altura da personagem e despediu-a. Para a substituir, Douglas recorreu a Jean Simmons, que tinha sido considerada inicialmente para a personagem, e cuja chamada a actriz britânica aceitou de imediato. Por último, referência para Tony Curtis, cuja personagem não fazia parte da história original, mas foi adicionada ao argumento após o actor pedir a Douglas, seu amigo, para participar no filme.
Embora o Código de Produção ainda estivesse em funcionamento, Spartacus não teve muitos problemas com a censura. No entanto, a cena da banheira, que aborda a homossexualidade da personagem interpretada por Laurence Olivier, onde esta tenta seduzir o escravo interpretado por Tony Curtis, teve de ser alterada a pedido dos censores. A cena acabou por ser reposta na sua forma original quando o filme foi restaurado em 1989. No entanto, o som original estava em más condições e houve necessidade de dobrar os diálogos. Tony Curtis ainda estava vivo para o fazer, mas Laurence Olivier já tinha falecido e foi Anthony Hopkins, cuja imitação de Olivier era famosa, a dobrar os diálogos deste. O trabalho é tão impressionante que é quase impossível distinguir a “cópia” do original.
O facto de Spartacus ter por base um livro e um argumento escrito por dois comunistas levou a protestos, em particular da Legião Americana. No entanto, quando o Presidente John F. Kennedy assistiu ao filme e falou bem dele publicamente, a controvérsia desapareceu. Este episódio terá ajudado a exibição do filme, já que foi um sucesso junto do público e acabou por vencer quatro Óscares (melhor actor secundário, melhor fotografia a cores, melhor direcção de arte e melhor guarda-roupa).
Como obra cinematográfica, Spartacus é, hoje, mais um épico produzido na era dourada de Hollywood. No entanto, fica na história do cinema como o filme que ajudou a derrubar a “lista negra de Hollywood” e iniciou a reparação de um dos momentos mais tristes da indústria cinematográfica americana.
Spartacus
Universal Pictures. Estados Unidos, 1960, 191 min., drama
Realizador: Stanley Kubrick. Argumento: Dalton Trumbo, segundo o romance homónimo de Howard Fast. Actores: Kirk Douglas, Laurence Olivier, Jean Simmons, Charles Laughton, Peter Ustinov, Tony Curtis.
Relato do escravo Spartacus, que lidera a revolta dos seus pares contra o Império Romano.
The End