As histórias da história do Cinema

História

História do Cinema: 1960-1969

Sidney Poitier nos bastidores dos Óscares, após ter recebido o prémio para melhor interpretação masculina

O Fim da Censura

Os acontecimentos ocorridos nos anos anteriores que transformaram a industria cinematográfica americana (fim do studio system, venda das salas de cinema pelos grandes estúdios e o aparecimento da televisão) pouco alteraram o tipo de filmes produzidos em Hollywood. Aliás, devido à ameaça da televisão, os estúdios apostavam cada vez mais em grandes espectáculos e na década de 1960 chegam às salas de cinema filmes como West Side Story – Amor sem Barreiras, Cleópatra, Música no Coração, entre outros. Para além destes, as audiências mais jovens, que tinham transformado Psico num sucesso de bilheteira, tinham muitos outros filmes por onde escolher, entre eles os protagonizados por Elvis Presley (nove estrearam antes de 1964), a série de terror da American International Pictures (AIP) baseados nos livros de Edgar A. Poe e os filmes passados em praias.

Se os Estados Unidos apostavam em fórmulas já testadas, a restante cinematografia mundial, em particular a Europeia, mostrava-se fértil e pujante. A produção francesa revelou-se a mais inovadora e os filmes dos realizadores da Nouvelle Vague como O Acossado (Godard), A Bela e Dia (Luis Buñuel), Um Homem e uma Mulher (Claude Lelouch), O Último Ano em Mariebad (Alain Resnais), permitiram ao cinema ganhar uma dimensão e relevância social até ai desconhecidas. A produção italiana acompanhou esta mudança e os trabalhos de Fellini (A Doce Vida, ), Antonioni (A Aventura) e Luchino Visconti (Rocco e os seus Irmãos) dominam a produção do país e transportam-na para além fronteiras. Tal como acontece na Polónia, com os trabalhos dos jovens realizadores Roman Polanski e Jerzy Skolimowski, e na Índia, com o primeiro filme da dupla Ismail Merchant (produtor indiano) e James Ivory (produtor americano): Shakespeare Wallah, um conflito de culturas entre o oriente e o ocidente.

Foi necessário chegar ao final da década para se assistir a alterações no panorama cinematográfico americano e que se deveram essencialmente a dois filmes estreados em 1967: Bonnie e Clyde, de Arthur Penn, e A Primeira Noite, de Mike Nichols. Constituindo autenticas subversões de géneros, os filmes foram um sucesso junto do público e abriram caminho à produção de filmes mais negros e cujos protagonistas representavam anti-heróis, como Easy Rider e Cowboy da Meia-Noite, este último o único filme classificado para adultos a ganhar o Óscar para melhor filme.

A produção americana entrava, assim, numa nova fase e a substituição do velho e desadequado Código de Produção, em 1968 por um sistema de classificação de filmes, veio ajudar a essa transformação.

Imagem promocional de “A Primeira Noite”

Timeline, Década 1960-1969

1960

  • A American Internacional Pictures (AIP) estreia A Queda da Casa Usher, o primeiro de oito filmes baseados nos livros de Edgar A. Poe e realizados por Roger Corman.
  • Dalton Trumbo, autor dos argumentos de Exodus e Spartacus, é o primeiro argumentista da lista negra do Comité de Investigação das Actividades Anti-Americanas a ver o seu nome incluído na ficha técnica de um filme.
  • Durante a rodagem de Um Cacho de Uvas ao Sol, Sidney Poitier denuncia o racismo existente em Hollywood e as consequentes dificuldades que teve em arranjar um local para viver.
  • O passeio da fama é inaugurado em Hollywood.
  • As receitas de bilheteira diminuem na Grã-Bretanha devido, em parte, aos filmes transmitidos na televisão.
  • No seu país de origem, a Grã-Bretanha, o filme A Vítima do Medo, do realizador Michael Powell, é considerado perversamente obsceno.
  • Marlene Dietrich, em tournée, regressa à Alemanha pela primeira vez desde 1930. Devido ao seu declarado apoio aos Aliados, a sua recepção não é muito entusiástica.
  • A Doce Vida, de Federico Fellini, ganha a Palma d’Ouro do Festival de Cinema de Cannes, mas é vaiado aquando da sua exibição. Por sua vez, A Aventura, de Michelangelo Antonioni, é mal recebido pelo público do festival, mas é defendido por conceituados realizadores.

1961

  • A empresa de casting norte-americana Central Casting começa a permitir que os actores negros tenham igualdade de oportunidade na selecção de papeis.
  • O Supremo Tribunal Americano decide que os governos locais e estaduais podem censurar filmes.
  • Uma nova versão do Código de Produção permite que a homossexualidade seja abordada em filmes.
  • A cadeia norte-americana NBC estreia, aos sábados, uma nova secção de cinema com filmes recentes produzidos pelos estúdios de Hollywood.
  • Em Itália, fascistas interrompem a estreia do filme de Pier Paolo Pasolini Accattone, um drama real sobre um gigolo morto pela polícia.
  • O Vaticano e o Governo Espanhol atacam o filme de Luis Bunuel Viridiana, vencedor da Palma d’Ouro do Festival de Cannes. O filme conta a história de uma noviça que é corrompida pelo seu tio.

1962

  • A empresa MCA adquire o estúdio Universal-International.
  • O juiz alemão Hermann Markl é forçado a demitir-se depois do filme O Julgamento de Nuremberga denunciar o seu passado nazi.
  • Com receio da fuga de produções para o estrangeiro, o sindicato dos actores norte-americano retira as suas exigências de aumentos de salários.
  • A abordagem de temas como pedofilia e homossexualidade nos filmes Lolita e Tempestade Sobre Washington, respectivamente, assinala o fim de todos os tabus na produção cinematográfica norte-americana.
  • Marilyn Monroe é vítima de uma overdose e a sua morte choca o mundo inteiro.
  • O romance entre Elizabeth Taylor e Richard Burton (colegas no filme Cleópatra) domina a comunicação social de tal forma que leva o Vaticano a emitir uma nota de desagrado.
  • O Mundo a Seus Pés é considerado, pela primeira vez, como o melhor filme de todos os tempos num inquérito internacional, ai se mantendo até aos dias de hoje.
  • A revista francesa Cahiers du Cinema dedica um número especial à Nouvelle Vague, onde inclui uma entrevista com o realizador Jean-Luc Godard.

1963

  • A National Association for the Advancement of Colored People pressiona a industria cinematográfica a abolir dos filmes os estereótipos sobre os negros e a dar-lhes mais oportunidades de emprego.
  • A teoria do cinema de autor, preconizada pela Nouvelle Vague, começa a ter impacto nos Estados Unidos.
  • O filme Nine Hours to Rama, sobre o assassinato de Mahatma Gandhi, é banido na Índia.

1964

  • Os filmes para televisão (telefilmes) começam a ser parte integrante da programação regular das cadeias de televisão norte-americanas.
  • A Universal abre as suas portas ao público, dando início às suas famosas visitas guiadas.
  • Muito embora a pressão da opinião pública para acabar com a censura em Hollywood, os realizadores independentes sentem, ainda, dificuldades na exibição dos seus filmes.
  • Na Califórnia, o actor George Murphy é eleito para o Senado Norte-Americano.
  • Sidney Poitier é o primeiro actor negro a vencer o Óscar para melhor actor pelo filme Os Lírios do Campo.
  • Após anos de costas voltados, o realizador Pier Paolo Pasolini volta a estar nas boas graças da Igreja com o seu filme O Evangelho Segundo São Mateus.

1965

  • A Motion Pictures Association of America (MPAA) alcança um acordo extrajudicial com 12 pessoas impedidas de trabalhar por constarem na lista negra do Comité de Investigação das Actividades Anti-Americanas, mas a MPAA não admite que alguma vez tenha existido essa lista.
  • Hollywood vê a sua produção cinematográfica aumentar, aumentando também o preço pago pelos direitos de autor de livros que servem de base às produções.
  • Hollywood começa a organizar eventos para entreter as tropas norte-americanas envolvidas na Guerra do Vietname.
  • A Walt Disney anuncia a construção de um enorme parque temático no estado norte-americano da Florida.
  • Os realizadores George Stevens e Otto Preminger levam os respectivos estúdios a tribunal por estes licenciarem os seus filmes para televisão e permitirem que sejam interrompidos por publicidade.
  • A revista francesa Cahiers du Cinema diminui a sua cobertura de filmes americanos.
  • O realizador brasileiro Glauber Rocha (Deus e o Diabo na Terra do Sol) dá a conhecer o seu manifesto “A Estética da Fome”, que protagoniza que a violência pode alterar a ordem social, cuja essência é a fome.

1966

  • Quem tem Medo de Virginia Woolf, com a sua linguagem dura, e Alfie, que faz referência ao aborto, são aprovados pelo Código de Produção, revelando o seu declínio. Pouco tempo depois, o código é revisto de forma a reflectir a nova realidade.
  • O gigante do petróleo Gulf & Western Industries compra a Paramount Pictures. O actor e produtor Robert Evans é nomeado responsável pela produção e o estúdio regressa aos seus tempos áureos.
  • Intelectuais e críticos franceses protestam contra o atraso da estreia do filme A Religiosa do realizador Jacques Rivette. Os censores franceses levantam problemas devido ao facto de o filme retratar uma Madre Superior lésbica.
  • O realizador francês François Truffaut lança o livro “Hitchcock”.
  • Realiza-se o primeiro festival de cinema da Tunísia.

1967

  • O Bank of America adquire, através da sua subsidiária Transamerica, o estúdio United Artists.
  • O American Film Institute inicia a sua actividade.
  • A Universal Newsreel, o único serviço noticioso (newreel) ainda existente, cessa a sua actividade.
  • Jack Warner, fundador da Warner Bros., vende a sua parte do estúdio à Seven Arts.
  • Bonnie e Clyde influência o público americano e marca uma nova era de sexo, violência e humor no cinema norte-americano.
  • O filme francês do realizador Claude Lelouch, Um Homem e uma Mulher, é um sucesso de bilheteira nos Estados Unidos e torna-se no mais rentável da Allied Artists.

1968

  • A Motion Pictures Association of America institui um sistema de classificação de filmes, que substitui o Código de Produção.
  • Estrelas de cinema, como Barbara Streisand, Paul Newman e Shirley Maclaine, falam abertamente contra a guerra do Vietname. Jane Fonda protesta a favor os direitos dos índios.
  • Devido ao assassinato de Martin Luther King, Jr. a cerimónia de entrega dos Óscares é adiada dois dias.
  • Reconhecendo que a maioria dos filmes são produzidos a cores, a Academia abandona a atribuição de Óscares a filmes a preto e branco.
  • O filme de terror A Noite dos Mortos-Vivos, de George Romero, é um sucesso de bilheteira. Por seu lado, 2001: Odisseia no Espaço, com os seus efeitos especiais inovadores, torna-se num marco da ficção científica.
  • A edição do Festival de Cannes termina mais cedo quando realizadores retiram os seus filmes do certame e o júri se demite em resposta ao apelo do realizador Jean-Luc Godard para que o Festival apoie os estudantes e trabalhadores que se manifestam por toda a França.
  • Devido à resistência da comunidade cinematográfica, o Governo Francês desiste de controlar a Cinemateca Nacional, um dos mais famosos e respeitados arquivos cinematográficos do mundo.
  • A obra de sete horas do realizador soviético Sergei Bondarchuk, Guerra e Paz, é exibida nos Estados Unidos em duas partes, cada uma em dias sucessivos.

1969

  • O Cowboy da Meia-Noite é o primeiro filme a ser classificado para adultos e o único a ganhar um Óscar de melhor filme.
  • Os Estados Unidos são abalados pela morte de Judy Garland, cujo funeral atrai cerca de 20 mil pessoas, e pelo assassinato da actriz Sharon Tate, esposa do realizador Roman Polanski.
  • Muito embora a produção francesa continue a viver um bom momento a nível de criatividade, o número de salas de cinema continua a diminuir.
  • A Argélia nacionaliza as entidades cinematográficas do país.

The End