As histórias da história do Cinema

História

Poverty Row

Numa época em que as “imagens em movimento” se revelavam um entretenimento cada vez mais popular, em particular junto das classes de menores rendimentos, a indústria cinematográfica norte-americana da década de 1910 era dominada pela Motion Pictures Patents Corporation (MPPC), cujas práticas aguerridas não davam espaço a empresas independentes que não seguiam as suas regras comerciais.

Perante o domínio da MPPC, sediada em Nova-Iorque, apenas restou a alguns produtores “fugirem” para o outro lado do país, onde estabeleceram empresas e estúdios que aproveitavam a luz da Califórnia, em particular de Los Angeles. Para além de não estarem sujeitos às regras da MPPC, os produtores da Califórnia também perceberam que o gosto do público estava a mudar e começaram a produzir filmes mais longos e com ouros temas que não as comedias (género dominante nos nickelodeons). Perante esta nova realidade, muitos viram a oportunidade de entrar na industria e surgiram, então, muitas novas produtoras. As que não tinham muito dinheiro aproveitaram a zona industrial da rua Gower, a norte de Hollywood, para se estabelecerem. Esta zona ficou, então, conhecida como a Poverty Row (linha da pobreza) e o nome passou a designar todas as produções de baixo orçamento que saiam das produtoras que se estabeleceram nessa zona de Los Angeles.

Na década de 1920 assiste-se à consolidação da industria cinematográfica americana, em que os diversos sectores (produção, distribuição e exibição) se encontram dominados por cinco grandes estúdios e dois “menores”. Perante este cenário, pouco restava aos independentes que não venderem os seus filmes para salas de cinema de província ou como filmes B em sessões duplas. Os lucros desta área de negócio era fixo e muito pequeno, o que não permitia às produtoras da Poverty Row grande margem de manobra e, por isso, muitas tiveram uma curta existência. Assim, é possível contabilizar perto de uma centena de produtoras que se estabeleceram na Poverty Row, muitas delas apenas produziram um filme.

A (muito) limitada capacidade financeira das produtoras da Poverty Row não permitia que conseguissem utilizar a mais recente tecnologia ou que conseguissem inovar a nível estético e a sua existência quase sempre se resumiu, nas melhores da hipótese, a uma nota de rodapé nos livros sobre a história do cinema. No entanto, da Poverty Row sairam interessantes filmes, alguns deles com uma estética própria, e serviu de plataforma para muitos actores, realizadores e muitos outros criativos conseguirem alcançar voos mais altos. Como exemplo, refira-se que John Wayne protagonizou dezenas de filmes de diversas produtoras da Poverty Row antes de ganhar fama, Gene Autry ganhou também fama nos westerns da Republic Pictures, um jovem Mickey Rooney alcançou sucesso na Larry Darmour Productions e um dos maiores film-noir da história do cinema é Detour, que Edgar G. Ulmer realizou para a Producers Releasing Corporation. Mas o maior exemplo da importância da “Poverty Row” é o facto da Columbia Pictures, que posteriormente se tornou numa das majors de Hollywood, ter começado como uma pequena produtora na rua North Gower.

O fim das sessões duplas, na década de 1950, como consequência do fim do monopólio dos grandes estúdios, provocam um rude golpe para uma Poverty Row já de si frágil. O novo paradigma, que entretanto se estabelecera na industria do cinema (separação entre a produção e exibição) e a ameaça da televisão provocou o fim da Powerty Row.

Das dezenas de produtoras que se estabeleceram na rua North Gower, as mais importantes, quer pela quantidade, quer pela “qualidade” da sua produção, foram:

First National (1917 – 1936)

Empresa formada por um grupo de donos de salas de cinema que estavam contra a pratica de block-booking da Paramount Pictures, de Adolph Zukor. Esta prática, que obrigava os donos de cinemas a comprar um conjunto de filmes menores para conseguirem um filme de maior qualidade, reduzia a margem de manobra dos exibidores e reduzia, também, drasticamente o seu lucro.

A First National não dispunha, no início, de estúdios. Ao invés, contratava estrelas, que produziam os seus próprios filmes (Charlie Chaplin, que na First National produziu The Kid, e Mary Pickford foram apenas algumas das estrelas da empresa). No entanto, a luta que manteve com Adolph Zukor ao longo dos anos, obrigou a First National a construir os seus próprios estúdios e a transforma-se numa empresa vertical, incorporando produção, distribuição e exibição.

Através de diversas aquisições, a Warner Bros. passa, em 1928, a controlar a First National e durante os oito anos seguintes mantém a empresa autónoma, até que a dissolve em 1936.

Grand National Films (1936 – 1940)

A Grand National foi fundada por antigos executivos da Pathé e com o financiamento desta. Na sua curta existência, a Grand National produziu essencialmente westerns, nomeadamente com o cowboy cantor Tex Ritter, e comédias. No entanto, o grande feito da empresa foi a contratação do actor James Cagney, na altura em conflito contratual com a Warner Bros. Cagney apenas protagonizou, sem sucesso, dois filmes na Grand National, que, em 1938, entrou em processo de falência e foi reorganizada sob o nome Grand National Pictures. Os problemas financeiros continuaram e, em 1940, a Grand National vende os seus bens e fecha portas.

Majestic Pictures (1930-1935)

A Majestic Pictures sempre se diferenciou das restantes empresas da Poverty Row devido à qualidade das suas produções. Sem estúdio próprio, a qualidade dos filmes eram resultado do acordo que a Majestic tinha com a Metro-Goldwyn-Mayer e que permitiu utilizar talento da casa do leão. Para além disso, muitas das origens das produções da Majestic tinham por base fontes literárias, o que permitia que os seus filmes ganhassem outra dimensão. No entanto, a qualidade das produções (para uma produtora independente) teve o seu custo e a Majestic não conseguiu aguentar muito tempo, já que também não produzia outros tipos de filmes, como serials, que lhes permitisse um fluxo constante de receitas.

Mascot Pictures (1927 – 1937)

A Mascot Pictures começou como produtora de serials, que ainda hoje são recordados pelos amantes da sétima arte. A produção de longas-metragens apenas teve inicio nos primeiros anos da década de 1930 e ganhou fama com as “estrelas” animais Rin-Tin-Tin, Jr. e Rex the Horse. No entanto, a empresa é mais recordada pelos filmes de um, ainda jovem, John Wayne.

Em 1935, a Mascot é fundida com a Monogram e a Consolidated Laboratories, que, dois anos mais tarde, formam a Republic Pictures.

Monogram Film (1930 – 1953)

A Monogram sempre assumiu o seu estatuto de produtora de filmes de baixo orçamento e ficou conhecida pelos filmes de aventuras, terror e westerns, entre eles os produzidos por Paul Mavern e protagonizados por John Wayne.

Em 1935, os responsáveis da Monogram fundem a empresa com outras produtoras e criam a Republic Pictures, mas dificuldades criatívas levam-nos a sair e a reactivar a Monogram. Dez anos depois, a Monogram cria a subsidiária Allied Artists com o objectivo de produzir filmes de melhor qualidade e com maior orçamento, mas as duas empresas fundem-se em 1953, sob a designação Allied Artists Pictures Corporation.

Producers Releasing Corporation (1939 – 1949)

Um dos estúdios mais conhecidos da Poverty Row, a PRC tem a sua origem na Producers Distributing Company (PDC) e na Producers Pictures Corporation (PPC), de Ben Judell. Em 1939, este empresário criou as duas empresas (a PDC distribuía os filmes produzidos pela PPC) para alimentar as salas de cinema fora do circuito das majors e colmatar o vazio deixado pela falência de empresas que não resistiram à Grande Depressão, como a Grand National Pictures.

Sob a direcção de Sigmund Neufeld, a PDC produziu apenas sete filmes antes de problemas financeiros ameaçarem a empresa. Um ano após a criação da PDC e com a ajuda da Pathe, Sigmund e o seu irmão Sam tomaram conta da empresa e reorganizaram-na sob o novo nome de Producers Releasing Corporation (PRC). Apostando no mesmo mercado que a PDC, a produção da PRC abrangia todos os géneros cinematográficos, desde que os filmes fossem rápidos a produzir e baratos. Um dos principais “activos” do estúdio era o realizador Edgar G. Ulmer, cuja criatividade e conhecimentos permitiu que a PRC produzisse filmes interessantes e que tiveram sucesso junto do público. Detour foi um desses filmes: realizado por Ulmer, o filme foi um dos mais baratos da PRC, mas tal não o impediu de ser uma referência do film-noir.

A saída de várias pessoas da empresa, incluindo Ulmer, e a queda do mercado de filmes B levou à decadência da PRC, que, em 1948, foi absorvida pela empresa inglesa Eagle-Lion Films, tendo deixado de existir um ano depois. Ao longo dos anos, a constante mudança dos direitos de autor fizeram com que os filmes da PRC caíssem no esquecimento. Apenas um reavivar do interesse no trabalho de Edgar G. Ulmer, em particular Detour, é que tem permitido um renovado interesse nos filmes da empresa.

Embora seja muitas vezes referido como um dos mais fracos estúdios de Hollywood, a PRC sempre foi “honesta” na sua produção: os seus filmes nunca esconderam o fraco orçamento que tinham e muitos deles são verdadeiros hinos à criatividade.

Republic Pictures (1935 – década de 1950)

Produtora americana fundada em 1935 a partir das empresas Consolidated Film Industries, Mascot, Monogram Pictures e Liberty. Conhecida pelos seus filmes de baixo orçamento mas de qualidade (alguns dos quais considerados para os Óscares), a Republic teve sob contrato actores como John Wayne, Roy Rodgers e Gene Autrey, que ai interpretaram alguns dos melhores westerns da produtora e da história do cinema. Com o aparecimento da televisão na década de 50, a produtora entra em crise, encontrando a sua sobrevivência precisamente na produção de programas de televisão.

Embora o nome da Republic Pictures e o seu logo ainda hoje existam e sejam utilizados oficialmente, nomeadamente na reedição de filmes, a empresa, tal como ficou conhecida pelas suas produções de baixo orçamento, deixou de existir na década de 1950, quando deixou de produzir para o grande ecrã.

The End