As histórias da história do Cinema

Filmes

Os 4 Espiões (1936)

Os 4 Espiões é um dos menos conhecidos filmes do realizador Alfred Hitchcock, mas é também um dos seus mais estranhos. O filme tem por base uma peça de Campbell Dixon e as obras de Somerset Maugham The Traitor e The Hairless Mexican, dois dos setes livros que contam as aventuras do agente secreto Ashenden. Maugham era, ele próprio, um espião ao serviço de Sua Majestade e as aventuras de Ashenden são muitas vezes o relato da vida do autor, a ponto de Winston Churchill ter, supostamente, recomendado que o autor queimasse os livros porque violavam o segredo de estado.

Para o papel de herói, Hitchcock escolheu o actor de teatro Sir John Gielgud, que, ao contrário de colegas como Laurence Olivier e Ralph Richardson, não tinha qualquer interesse na sétima arte. Foi apenas com o argumento de que Ashenden era um Hamlet moderno, que Hitchcock conseguiu que o actor participasse no filme. Gielgud acabou por detestar o seu personagem devido à sua ambiguidade e pelo facto de Hitchcock ter tornado o vilão, interpretado por Peter Lorre, mais interessante que o herói. Embora admira-se o estilo de realização de Hitchcock, Gielgud ressentiu-se pelo facto do realizador dar demasiada atenção, à frente e por detrás das câmaras, a Madeleine Carroll. A actriz interpreta, pela primeira vez, o que viria a ser a típica heroina de Hitchcock: uma loira fria, mas que aos poucos vai revelando os seus sentimentos. Os 4 Espiões foi a segunda colaboração de Carroll com o realizador e a actriz partiu pouco depois para Hollywood onde teve uma breve carreira.

Como referido, Gielgud não gostou que o vilão fosse mais interessante que o herói e isso muito se deve ao excelente trabalho de Peter Lorre. O actor alemão tornou-se uma estrela internacional ao interpretar um assassino de crianças em Matou!, de Fritz Lang, tendo abandonado a sua pátria em 1933, tal como grande parte da comunidade cinematográfica alemã. De acordo com Gielgud, Lorre era um viciado em morfina e um especialista em “roubar cenas”. O seu estilo de interpretação chocava com a descrição e o método de Gielgud e interpretou o seu papel de tal forma que o vilão representa o lado negro do herói.

Embora os seus filmes nunca tenham tido um cariz marcadamente político, Os 4 Espiões é o terceiro filme de Hitchcock em que o vilão é identificadamente alemão. Este facto torna-se ainda mais curioso tendo em conta que Hitler era, nesta altura, visto como algo tolerável em Inglaterra e o nazismo alemão era bem visto em alguns sectores da sociedade inglesa. Hitchcock, tal como muitos outros artistas e ao contrário dos políticos, antecipou os tempos de guerra que se seguiriam.

Embora tenha tido algum sucesso junto do público, Os 4 Espiões não foi muito bem recebido pela crítica, já que questionava o puritanismo e o heroísmo da guerra. A ambiguidade do herói e a descrição que Gielgud coloca na sua personagem contribuem também para o menor sucesso do filme. No entanto, Os 4 Espiões não deixa de ser um bom exemplo da cinematografia de Alfred Hitchcock, com diálogos inteligentes, cenas bem construídas e uma interpretação excelente de Peter Lorre. Como curiosidade final, refira-se que Os 4 Espiões é o único filme de Hitchcock em que o realizador não faz as suas famosas aparições em frente das câmaras.


Secret Agent
Gaumont British Picture. Grã-Bretanha, 1936, 86, thriller. Realizador: Alfred Hitchcock. Argumento: Alma Reville, Charles Bennett, Ian Hay, Jesse Lasky Jr., baseado nos livros de Somerset Maugham e numa peça de Campbell Bennett. Actores: John Gielgud, Peter Lorre, Madeleine Carroll, Robert Young, Percy Marmont, Florence Kahn.

Durante a I Grande Guerra Mundial, um escritor de sucesso finge a sua morte e é lhe dado uma nova identidade pelos serviços secretos, que o enviam para a Suiça numa missão onde é acompanhado por uma esposa falsa e uma assassínio.

The End